sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

A mão que afaga pode ser mesma que te apunhala


Era tarde, no cantinho de uma rua escura, um gemido se ouvia, mais parecia um gato que de fome mia. A noite se vestia de breu e  a pouca claridade vinha das estrelas no céu, inocentes foram testemunhas do mais cruel ato de desumanidade já assistida por elas.
Tenho certeza que a lua derramava lágrimas em forma de orvalho de tanta dor que sentia ao assistir tão dorido espetáculo. O sangue misturava-se ao branco de suas frágeis pernas, o semblante era uma máscara arroxeada e monstruosa de quem experimentou o horror.
Sempre estive acostumada a presenciar cenas assim, o terror anda de mãos dadas comigo, mas te confesso que até a mim a cena chocou. O dia começou a clarear e os curiosos vinham ter ao lugar, o gemido da noite anterior calou e os olhos da figura pequena para sempre se cerrou.
Naquele momento preferia ter outra profissão, mas essa era minha missão, então, eis que de repente, rompe de uma rua uma mulher transloucada, atira-se sobre o pequenino ser e chora desvairada. Sua dor me comoveu e olha que sou ateu, em minha profissão fui treinado para não ter sentimentos.
Saí de cena, para cumprir minha missão em outros lugares a qual fui recrutada, mas desde a noite anterior quando fui chamada para recolher a menina algo foi diferente, uma alma inocente, com um coraçãozinho doce e com o olhar mais puro que já vi, cumpriu seu papel neste mundo com maestria.
Quando cheguei ao local enquanto a criatura em dores ainda se contorcia, se esgueirava pelas sombras da noite um bicho horripilante que tive o desprazer de encontrar outro dia a chorar sobre o tumulo da pequena criança, com lágrimas copiosas, mostrava uma dor que não sentia. Intrigado cheguei perto dos outros convidados do funeral para ver o que descobria e vi uma mulher que sofria ao ver tamanho tormento do pobre pai que flores colocava sobre a filha que ali jazia.
Pobre menina, a mão que lhe afagou foi a mesma que aquela noite suas entranhas romperam e sua confiança apunhalou.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O P do povo do Brasil

O palhaço sobe ao palco,
Encurvado, pigarrea, tenta uma impostação...
Mas lhe falta a inspiração, o grito na garganta, o soluço a muito sufocou...
Também lhe falta a alegria tão típica do palhaço,
Todas as noites as cortinas se abrem e o espetáculo se repete...
São dores da escuridão, poesias de violência e podridão,
Mas me diz: como o palhaço pode ser feliz?
Vendo este país por um tris, a ferida pustulenta que queima e deixa cicatriz...
O que fizeram conosco? Como permitimos que nos gerassem no ventre tamanho desgosto?
Será que foi acomodação, ilusão, prostração?
São tantas mentiras, usurpação de quem sabia o que fazia, e de nós, ria e se comprazia...
Hoje o espetáculo desvendou o que as cortinas ocultavam,
Pobre palhaço, cadê tua inocência, nesta guerra de poderes te roubaram até tua decência.