terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Então é natal

 



Era natal, o menino caminha pelas ruas, vê gente sorrindo, abraços pelas vidraças.

Crianças com seus brinquedos, músicas e muita algazarra, para e fica observando os fogos coloridos a dançar sobre os fios, fica encantado com as luzes brilhando sobre os telhados.

Em sua pouca vida infantil só vê tanta beleza e alegria nas casas de outras pessoas, nas novelas da televisão vista nas portas dos botecos do bairro, do qual muitas vezes é enxotado.

Nunca soube quem era o pai, os irmãos o conselho tutelar levou, não foi porque estava fora e a mãe desapareceu, foi embora...

Tem dias que preferia não estar vivo, come restos do lixo e nunca conseguiu entender como este tal de papai Noel nunca quis lhe conhecer, nunca desejou ser seu pai, afinal ele era tão bonzinho para outras crianças, mas a ele nunca deixou ao menos sentar em seu colo, disse que ele estava sujo não poderia ir em seu colo e disfarçadamente o colocaram em seu lugar, lhe dando um saquinho de balas para se calar.

Cansado, recostou na parede, tremia, não sabia se era frio, fome ou sede, mas era natal, os fogos continuavam, de repente escutou alguém lhe chamar, venha menino, vem deitar.

Um senhor então aproxima-se, ajeita a cabeça do menino em seu peito e começa a cantar,  dorme menino dorme, para onde estamos indo não existe fome, frio ou sede, todos são iguais e as crianças ganham presente todos dias sem precisar de natais.

Dorme menino dorme, que como você também andei a procura de uma pousada, tive sede e fome e só nos braços do Pai então descansei.


Jussara Rocha Souza


Que um dia todos possam ser e ter igualmente e que não se precise morrer para poder descansar!

Meu mais belo poema

 Ofereço-te meu colo quente que agora molhado de lágrimas se torna mais complacente.

Meu doce e sofrido amigo, aqui as coisas não andam lá muito bem, mas tenho convertido minhas tristezas em curar as tristezas do próximo. 

Não é  bondade para com os outros é para comigo mesmo, mas vamos falar de você,  me diga quem pode maltratar este poeta de alma nobre e palavras gentis?

Te ofereço meu colo, meu carinho e quem sabe uma taça de vinho.

Hoje pela manhã lembrei de você,  uma borboleta pousou em minha mão, fiquei com tanta alegria e pensei poeta isto merece uma poesia.

Hoje secarei teu pranto com o meus mais belo poema:

Você

Dor

 


Porque ela grita no meu íntimo

Rasga vísceras

E em meu desatino

Peço que sejam efêmeras

A dor minha companheira 

Vive em minha soleira

Não entra

E não me deixa sair


Jussara Rocha Souza

O rio

 



A casa estava vazia, 

Vazio está também seu coração

Sofre o estômago com azia

Sofre a alma com decepção


Abre a porta

Sai às ruas

Meia torta

Nua


Curiosos 

Olhares piedosos

Tendenciosos

Outros caridosos


Subiu a ponte

Comoção

Volte, tente

Ainda há solução


Desce até o rio

Os pés tropegos 

Hilário 

Encontra na água seus aconchegos


É água por todos os lados

Risos escancarados 

De quem cansou de ser abafado


O rio e seus vários afluentes

Não se deixa levar pelas correntes

Pode ser morte

De um coração doente


Vida 

Purificada

Para ser vivida


Jussara Rocha Souza 


Nota do autor:A vida merece sempre uma nova chance

Tenha fé 

Nem sempre o que tu vê é a verdade

Aprenda a respeitar a verdade de cada um

O mundo está repleto de julgadores

Muito ódio e pouco amores

Seja você diferente

Tome banho no rio da empatia

Odre




Guardo minhas lágrimas em odre

Onde reina meu silêncio

Deste mundo podre

Sentencio


Foi feito de minha pele

De cicatriz marcada

Ferida a ferro

Escravizada


Canto canções ao entardecer

Deixo vento assim levar

São orações para não morrer

A cativos acalentar


Não são versos tristes 

É melodia de um poeta

De quem ainda insiste

Lagarta em borboleta


O silêncio me constrói

O odre guarda meus mais sentidos versos

Sei que ainda dói

Mas não é fim

É começo

Reverso


Jussara Rocha Souza

Cais




Moça do mar

Pele bronzeada

Cabelos a voar

Olhar apaixonada


Fita o horizonte

Sonha com o viajante

Talvez além da ponte

Em águas verdejantes


Um navio solitário

Navegando ao longe

No peito relicário

Do amor distante


Ela espera no cais

Cabelos ao vento

Agora gris

Do tempo de espera

Que não volta jamais


Jussara Rocha Souza

Crônica da saudade

 



Era noite, sentei no quintal e fiquei observando a lua cheia, lua dos apaixonados, que muitas vezes me inspirou poemas e versos.

Fiquei a namorar o passado, você veio sentou ao meu lado e tocou minhas mãos que se entrelaçaram as suas.

Ficamos em silêncio, apenas sentindo o respirar um do outro, então tocou a canção, encostei a cabeça em seu peito e sentindo teu cheiro me deixei levar, éramos então um só coração.

Caminho a décadas contigo, mesmo quando o teu corpo foi embora, tua mão continuava com a minha, de vez enquanto me visitas em sonho e acordo sempre mais apaixonada.

Hoje sentada neste quintal, o coração apertadinho de saudades, data daquele 5 de dezembro, dia de tua partida, não abro os olhos, tenho medo de que não estejas aqui.

Para muitos pode parecer loucura, para mim é a saudade que vem me visitar e dizer, ainda estamos juntos, ainda estou aqui.

Tu vives em mim, nas noites enluaradas, no amor feito de madrugada, na vida tão compartilhada, neste teu olhar que me deixa trêmula, na boca que me beija inteira, no amor que jamais irá morrer.

Os raios de sol começam a aparecer, secam docemente a lágrima que agora cai, até breve amor, ainda há de existir muitas luas cheias, canções e bancos de jardim, para que mesmo em saudade una você a mim.


Jussara Rocha Souza

Miséria

 Miséria 

estado de enorme sofrimento; infelicidade, desgraça.

2.

estado de carência absoluta de meios de subsistência; indigência, penúria.

"a inundação deixou os moradores na m."


Viver em estado de miséria, é assim que estamos vivendo, cada dia mais pessoas comem das lixeiras, sem trabalho vivem nas ruas, miséria no prato, no teto, na dignidade.

Dizem que a mais triste das miséria é da ignorância, ignorância sua que mesmo vendo tanta dor fecha a porta e vira as costas.

Você já ficou sem comer por não ter alimentação nenhuma durante um dia, dois dias, pois é, tem gente que a dias não come, sei que você não é responsável pela vida alheia, afinal você trabalha, junta economia, se esforça, porque ele não pode fazer o mesmo que você?

Mas cada caso é um caso e ninguém merece passar fome, ninguém merece ter um estômago doendo de não ter o que comer, ninguém merece morrer de fome.

Me revolta a falta de alimentação em um país tão rico, tanto roubo, desvio de verba, enquanto uns enchem os bolsos outros nem bolsos tem para encher.

Falta tudo para a população, saúde, educação, trabalho, falta empatia e principalmente alguém que se importe com os menos favorecidos.

O que será de nós, o que será de meus semelhantes, olhe nossa cidade, nossas ruas, cada dia mais drogados, mendigos, pessoas pedindo nas sinaleiras, roubos, homicídio, zero política habitacional, zero planejamento, não aguento mais ver tanta miséria, estou revoltada!


Jussara Rocha Souza

Coração encarcerado

 



Um dia alguém colocou grades em meu coração, e eu coloquei liberdade em meus pensamentos.

Por anos consegui viver minha liberdade deste modo, mas meu coração acostumou a ser encarcerado, hoje sou livre mas não sei o gosto do amor!


Jussara Rocha Souza

Sentada na calçada

 



Sentada a beira da calçada, vestido de tirantes e tamanco malandrinho, queria descansar um pouquinho da rotina diária de um trabalho bem pesado. Era verão e os dias eram muito bonitos e quentes como sua alma sonhadora de menina.

A vida não lhe era fácil, dificuldade financeira, pais ditadores, muitas obrigações e nenhum direito.

Queria mudar o mundo só não sabia como, rebelde contra uma sociedade hipócrita e cruel com as pessoas de menor poder aquisitivo. Mas mesmo assim a vida lhe parecia sorrir, a roupa e o calçado eram sempre os mesmos, mas isto não lhe roubavam a beleza de sua alegria de menina moça quase mulher a desabrochar.

Cantarolava uma canção quando alguém sentou-se a seu lado, naquela época não tínhamos este medo de agora, e logo começamos um papo bem animado, a calçada era na rua Caramuru e ele era um alguém que me disse que eu tinha a boca da Sophia Loren, eu em minha inocência dei um sorriso enorme para ele e segui meu caminho.

São histórias que nos ficam na memória, se o elogio foi mentiroso pelo menos fez a alegria de um corpo cansado do trabalho e que raramente sabia o que era um elogio.

Lembro com clareza de meu vestido de tirantes e o tamanco que por anos levou meus pés ao trabalho, lembro dos trilhos do trem, minha irmã Janete e seus tamancos de veludos tão sonhado por ela, minha prima Cristina e nossas travessuras, lembro que fomos felizes em meio a tantas desventuras, continuo rebelde contra esta sociedade hipócrita e cruel com as pessoas de menor poder aquisitivo,  ainda sento na calçada e converso com desconhecidos, hoje com mais prudência, diante de tamanha violência, mas se passares em minha rua, em algum momento me encontrará sentada na calçada, batendo um bom papo com algum passante, gente que ao longo da vida ajuda a construir minha história e que carrego na memória.

Hoje a idade já não condiz, segundo outras pessoas, com adolescentes de sessenta anos batendo papo sentadas nas calçadas, mas quem disse que me preocupo, foram pessoas que encontrei nos meus bate papos nas calçadas da vida que me trouxeram alegrias e sabedoria.

E por falar nisso, semana passada, varrendo a calçada bati um papo com um senhor de Jaguarão, aquelas pessoas que parecem que conhecemos a anos, trocamos muitas ideias, rimos muito, nos despedimos e ele se foi, me esqueci de perguntar seu nome, mas ficou na memória.

E quando quiseres passa aqui, vamos bater um papo...


Jussara Rocha Souza

Viver é um ato revolucionário




Nasci revolucionária, quando depois de inúmeras tentativas de aborto vim ao mundo, nasci de sete meses, muito doente, fiquei várias vezes diante da morte.

E mesmo sendo torturada sem chances de me defender vim ao mundo, lutando bravamente contra meus opressores.

Apanhei muito no passado por não me calar, hoje falo através da escrita.

Porque se eu falar tudo que penso não chego nem na esquina, pois vão me matar, prometo ficar quietinha, mas aquela chama aqui dentro não se apaga, nasci revolucionária, mas não fui eu que escolhi, foi as circunstâncias que me fizeram assim.

Viver é um ato revolucionário, amar é um ato revolucionário, ser mulher é um ato revolucionário, então sou uma revolucionária!


Jussara Rocha Souza

Ladrões de sonhos

 



Eles chegam de mansinho

Te oferecem carinho

Procuram os desavisados

Dos amores cansados


Oferecem flores

Do amor sabores

Te encantam com sonhos

Sem ele, enfadonho


Então

Roubando teu coração

Eles vão embora

E teu mundo desmorona


São os ladrões de sonhos

Passam a vida risonhos

Deleita-se com a dor do outro

Monstros, pela vida andam soltos


É como roubar a vida

Dor desmedida

Nunca mais acreditar

Não mais querer amar


Roubam ilusões

Letras, melodias e canções

Deixam frustrações

Matando corações


Ladrões não roubam só bens materiais

Roubam sonhos

E estes são os piores


Jussara Rocha Souza

A vida passa cantando


 E a vida passa cantando


Prosa poética 


E a vida passa cantando, ora cantigas de ninar, ora cantigas para amar.

Às vezes é o vento que passa a cantar, ouça, ele traz notícias de lá...

Em outras alguém lá de cima, pega o violão e toca uma canção, e é tão melodiosa que cai chuvas do céu, dando a nítida impressão que alguém se preocupa com nosso coração.

E a música vai continuando, assim como a vida continua, com suas dores, amores, tragédias e comédias, desafinada ou afinada, desafiando nossas forças, poetas anônimos escrevendo suas histórias nos bancos da memória.

Hoje vim tocar minha canção, com notas de esperança, pedindo ao músico maior, inspiração para vencer minha indignação ao ver tanta crueldade e desumanidade na sua criação.

A vida era para ser uma canção de amor, com notas melodiosa e harmoniosa, mas o homem resolveu subjugar o seu próximo segundo a sua condição.

Pobre música perdeu o encanto e só o que assiste é dor por todos os cantos.

Toca meu maestro a maior de todas melodias e ensina a teu povo a viver com alegria, porque não aguento mais o luto de uma canção a beira de um caixão.

A vida continua, independente de sua melodia, mas faça diferente você e toque a sua mais linda canção e faça sorrir um coração.


Jussara Rocha Souza