terça-feira, 27 de setembro de 2022

Um olhar no passado




Carregava no colo a menina

Embora nunca fosse mãe

Esta era a sina

Da sobrevivente chacina

Seus passos eram cansados

Opacos seus olhos

Seu sono atormentado

Sobre os restolhos

Flor

Em meio a abrolhos

Embala o embrulho

Em meio aos entulhos

Canta uma canção de ninar

Em sua mente

Doente

O filho a embalar

Tens cheiro de sangue

Das almas a vagar 

 Carregas  contigo a dor do lugar


Jussara Rocha Souza

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Para sempre

 



Te espiei por uma fresta

Do tempo que me resta

Vi dois apaixonados

Jovens enamorados

Quis voltar o tempo

Segurar o vento

Não te deixar partir

Do meu breve existir

Talvez seja a morfina

Que o passado descortina

Talvez seja a morte breve

Que em sonhos te leve

Te amarei para sempre

Mesmo que o sempre

Seja este breve momento


Jussara Rocha Souza

Cúpido

 



Dobrando aquela esquina

Passava a menina

 olhares furtivos

Para o moço de cabelos ruivos

Aqui da janela

Torcia para ele olhar para ela

Queria dar uma mão ao destino

E então chamei o menino

Viste que moça linda?

Porque não a olhaste ainda?

O menino esboçou um sorriso

De cúpido não era preciso

Hoje fiquei atrás da vidraça

A vi aproximando-se com graça

O menino lançou um olhar pra mim

E estendeu sua mão enfim


Jussara Rocha Souza

domingo, 25 de setembro de 2022

Meninos




Crianças dormem nas ruas

Tendo o teto de estrelas como suas

O agasalho seus próprios corpos

Braços juntos embalam os mortos

Dorme criança

Dizem que da pátria és esperança

No entanto dormes ao relento

Sem teto

Sem alento

Qual é tua pátria menino

Nem meu nome assino

Nasci na calçada

No meio de uma bocada

Meus irmãos é o mundo

Neles me confundo

Aqui todos são iguais

Nem menos ou mais

Pés descalços

Lembram percalços

Somos homens crianças 

Com medo

E sem esperanças

Mas tenho muitas riquezas

Todas dadas por Deus

Sou dono da noite

Do dia

Das estrelas

Do sol e da lua

Sou proprietário majoritário

Da mãe natureza


Jussara Rocha Souza

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Rindo sozinha



Hoje no quintal

Conversando com meu velho salso chorão

Disse-lhe que solidão não é tão mal

É um desague no coração

Ele deixou cair uma lágrima

Meio carrancudo me disse

Tome tento menina

O desencanto não lhe deixa ver

Alguém anda notando você

E este sorriso no rosto

Com jeito meio bobo

Também está em teus pensamentos

Cale-se salso

São só fragmentos

O salso que só então chorava

Por dentro sorria

Ele também sabia

Uma paixão já nascia


Jussara Rocha Souza

sábado, 17 de setembro de 2022

Precisava




Só precisava de um olhar

Daqueles marejados de mar

Que a brisa trás sem pensar

Que ficam assim na memória

E fazem história

Com gosto de querer amar

Então me encontro em tua poesia

Em uma noite de lua

Flagrados pelas estrelas

Um beijo enamorado

Querendo ser eu tua musa

Linda e nua

Nos sonhos e na vida

Toda sua


Jussara Rocha Souza

Semente


 


Nasci semente

Ramo sem folhas

Em terreno pouco fértil 

Sobrevivi

Raízes não tive

Tive que arar muito à terra

Adubar

Plantar e replantar

 Me reguei de muitas lágrimas 

Cresci

Hoje árvore frondosa

Ramos verdes

Galhos grossos

Criei raízes em mim

A semente se fez flor

Hoje está carregadinha

De amor


Viva a primavera, seja semente que brota, nunca deixe que as agruras da vida te matem.


Jussara Rocha Souza




segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Um lugar de amores mortos

 



Como ousas querer me amar

Não sabes que tenho feridas

O vento levou minha alma

Em um temporal 

Dia cinza

Flores mortas

Árvores tortas

Não sabes que o coração também morreu

Eu não queria

Ele pedia

E então aceitei

Fiquei só 

Como ousas despertar em mim paixões 

As sepultei

Cala-te coração 

Não ouses te apaixonar

Foi só um olhar


Jussara Rocha Souza

Um chá por companhia

 



Saboreava a goles grandes o chá 

O sabor das frutas vermelhas lhe levavam ao passado

Um tempo de risos soltos

E lençóis amassados

Cabelos revoltos

Rosto corado

Sem arrependimentos 

Deliciosos momentos

Hoje o chá lhe faz companhia 

Junto da cama vazia

A cortina afastada pelo vento

A sombra no jardim

Dá-lhe a impressão 

Delírios deste velho coração 

Volto ao chá 

Quem sabe amanhã...


Jussara Rocha Souza

domingo, 4 de setembro de 2022

Costuras

 



Todos dias sinto rasgar-me a alma...

E assim por anos a fio, venho me costurando,

De tanto costurar-me

Hoje me falta pedaços 

A pele ficou enrugada

E o coração, ah! O coração este já nem bate

Tem tanto medo de machucar-me

Que vive silencioso

Um dia a agulha costurou tão fundo

Que lhe atingiu a alma

Ela sangrou 

Que lágrimas vermelhas lhe banharam a face

Hoje então o coração não mais se arrisca

Tem medo de ter de fazer outra costura.


Jussara Rocha Souza

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Morbidez

 



A saúde é sempre uma questão que preocupa, mais ainda quando lutamos com ela desde o nascimento. 

Mas no meu caso é uma doença pulmonar crônica que me tira o ar, literalmente, sem ar.

E nestes instantes me pergunto será minha hora? Não é morbidez, é a consciência da doença que carrego. Mesmo sendo uma pessoa otimista e bastante "arteira" confesso que me peguei pensando se seria agora meu "passamento ".

E então pensei no que fiz ou não fiz, a sensação de deixar para trás filhos, netos, familiares e amigos. Quero fazer ainda tantas coisas, tenho tantos sonhos e desejos.

Será mórbido pensar nestas coisas? Vejo o quanto somos frágeis diante da morte, quanto não somos capazes de decidir sobre nosso próprio corpo, hoje estando um pouco melhor e com a respiração voltando aos poucos não quero pensar em morrer.

Mas posso afirmar que pensar na morte pode nos fazer melhor, e compreender que a vida, "apesar dos pesares, pode ser maravilhosa!"


Jussara Rocha Souza

Meu mundo gris

 Este cinza

Combina com meus cabelos gris

Com o Sena em Paris em dias de nevoeiros

Talvez seja só devaneios

Mas estou viva

E isto é verdadeiro


Jussara Rocha Souza 


Pintura feita em lajota


Meu mundo gris


Demência




Esta névoa no olhar

Mostra o velho menino

A meditar 

Não sei onde se perdeu

Se de mim esqueceu

Do caminho não há mais volta

Minha alma de dor corta

Os dias lhe são vazios

Sem memória 

O velho menino

Está no barco prestes a naufragar

Vem meu menino

Agarra minha mão 

Deixe eu ser o seu leme

A lhe mostrar a direção. 


Jussara Rocha Souza 


Obs: Fiquei muito impactada com a demência nos idosos, então fiz este poema em memória daqueles que perderam o combate para a demência.