terça-feira, 18 de outubro de 2022

Eu tenho 60+

 Crônica



Eu não deixei de ser mulher por ter sessenta anos, estou diferente, hoje escolho o que posso e quero fazer com meu corpo.

Você irá me perguntar, principalmente as mais jovens, mas antes você não escolhia o que fazer com seu corpo? Fui criada em tempos diferentes e muitas vezes não pude escolher, cheguei a ter repulsa por sexo, por ser obrigada a manter relação sexual como obrigação por ser casada.

É menino os tempos mudaram, mas hoje ainda existem muitas mulheres subjugada, por companheiro, pais, religiões e preconceito.

Hoje ainda nos matam, agridem e fazem violência com nossas mulheres, no Brasil meninas são vendidas em troca de dinheiro ou mantimentos pelos próprios pais, muitas estão na prostituição, mas esta é só a ponta do iceberg, no mundo, mulheres são mortas por querer estudar, por usar roupas "inadequada" sendo dadas em casamento aos 10 anos, e a maioria morre por sofrer hemorragia no ato sexual ou ficam com problema nos órgãos reprodutores com sequelas para toda a vida.

Mas o que quero aqui falar é sobre a mudança que nós mulheres maduras estamos realizando em nossas vidas, eu uso cabelos grisalhos porque me deram a liberdade de não mais querer pintar, mas poderia usar a cor que me fizessem feliz, afinal os cabelos são meus.

Tenho certeza que muitas se identificarão comigo, que maridos nem reparam mais em suas lingeries e que o sexo passou a ser o trivial, mulheres não deixem por menos invista em si, compre lingeries que valorizem seus corpos, use cremes, se olhe no espelho e sorria, você está viva e não é por ele, é por você.

Os desejos podem ter mudado de intensidade, mas eles existem e você não pode morrer viva, nada tem de errado em se gostar, hoje somos mais fortes, mais independente, idade passou a ser um detalhe, tenho sessenta e um anos, tenho sonhos, planos, desejos e o melhor estou viva.

Me gosto, gosto que vejo no espelho, porque minha beleza vem de um interior que trabalhou muito em defesa da autoestima, minhas cicatrizes se transformaram em raízes fortes e verdes, e pasmem, aos sessenta estão dando flores, e a cada dia brota mais e mais.


Jussara Rocha Souza

Os livros




Sentada em minha cama, o bom e velho amigo em minhas mãos, lembro de quantas histórias vivemos juntos. Já não me recordo, de quanto li, senti o perfume de suas páginas, chorei sobre suas folhas e adormeci com ele a meu colo.

Quantas vezes te encontrei nas folhas de meu amado livro, quando por vezes me senti a mocinha da história e fomos felizes para sempre.

Quantos mistérios e crimes desvendados, viagens ao centro da terra, risadas de cair ao chão e dores que atravessam o coração.

Gosto da era digital e realmente não me vejo mais sem ela, redes sociais, e-book e tantas outras facilidades que nos trás. Mas nada supera meu amor pelos livros materiais, gosto de tocar em suas folhas, e como diz meu amado amigo Geraldo em suas crônicas, deveriam incentivar o gosto pelos livros em crianças e adolescentes, pois há bibliotecas públicas abarrotadas de livros sem ter quem os procure, amontoados de livros em lixeiras, que dor me dá no peito em pensar meus amados amigos jogados ao lixo.

Uma vez ao ler a bíblia ficava maçante o relato e eu quase dormia ou desistia de ler, então uma senhora disse para mim, viva a história, entre nela, imagine-se vivendo aqueles tempos, e desde então vivo histórias maravilhosas ou nem tanto, mas nunca estou sozinho ou em tédio, os livros já me levaram a lugares que nunca conseguiria chegar sem eles.

E os escritores, parte essencial e a quem devo o amor pelos livros, queria poder citar nomes, mais são tantos, só posso agradecer pelo dom inspirador de cada um.

Não sou muito boa em crônicas, mas amo ler, e minha escrita de hoje veio inspirada de um homem que admiro muito Geraldo Jose Costa Junior, um cronista de mão cheia, a você, Gaia e o café.

De Florbela para Hernest!


Jussara Rocha Souza

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Primavera em mim

 



De vez em quando uma lágrima cai

A brisa a lambe docemente

Na face úmida uma folha teimosa gruda fazendo cócegas

Então arranca um sorriso

 De um rosto molhado de tristeza

A folha se vai com o vento

Uma cigarra desavisada 

De minha agonia 

Vem brincar em minha mão

Canta com alegria 

De repente o inverno se esvai

O céu volta a colorir

Acalma o coração

Eu  viro primavera

E volto a florir


Jussara Rocha Souza

A pipa

 Sentada ao quintal uma mãe corta folhas de jornal

Parte finas tiras de taquara

E com farinha e água confecciona a mais poderosa cola

Depois de montada a mais cara das pipas

Ela rasga uns panos velho e com ele faz o mais colorido rabo que já vimos bailar ao céu 

O velho rolo de lã da cesta da vovó arrematou o trabalho.

Foi na cama do filho e o chamou, juntos foram para o campinho onde crianças exibem seus mais caros presentes e juntos soltaram pipas, entre risos e gritos, solta linha mamãe, mais pra  lá meu filho...

De repente muitas crianças se aproximaram e queriam soltar pipas com eles e o menino orgulhoso de sua mamãe e de seu tão caro presente sorria maravilhado.


Jussara Rocha Souza


" Que o meu melhor presente é ter você aqui"


A todos meus netos e bisnetos que possam aprender de seus pais o valor do amor, este sim é maior de qualquer presente.

Que meus filhos possam ser pais presentes na vida de seus filhos, que o valor de um presente não está no preço ou tamanho que ele tem e sim no amor de quem lhe deu.


Meus filhos cada figurinha grudada com "grude" no nosso álbum hoje seja o motivo de sorrir de todos nós.


A mala



Carrego na mala saudade

Tempos de felicidade

De amores

Aromas e sabores

Do gosto de beijo bebido

Da fonte do amor desmedido

Carrego na mala saudade

Da cumplicidade

Dos olhares furtivos

Gosto bom de proibido

Do lábio mordido

No beijo escondido

Carrego na mala saudade

Que hoje está por demais pesada

Talvez te encontres na foto amarelada

Ou no disco arranhado

Na dança de corpo colado

Deito então no meu leito

Coloco a mala a meu lado

Deixo-lhe sair 

Então deliciosamente triste

De minha liberdade

Abraço a saudade 


Jussara Rocha Souza

Entre sonhos e realidades

 Pintura acrílica sobre tela


A dama de vermelho

 Pintura em acrílico sobre tela de minha autoria 


O mundo

 O mundo roubando nossa inspiração

Querendo roubar até o coração

Maldade torna-se banal

Descaso normal

Quero viver

Ver meu neto crescer

Chega de violência

Tanta maledicência

Seja orquídea

Ou apenas flor do campo

Você é muito importante 

Olhe quantas flores no jardim

Olha bem para mim

Preciso sonhar

Amar

Veja, é primavera

Não é apenas quimera

A vida é real

E maldade nunca me será normal

Vamos plantar

Semear 

E ver o amor

Novamente florescer!


Jussara Rocha Souza


A lua e o mar


Pintura em acrílico sobre tela de minha autoria 


Janela do tempo

 Vejo a vida passar

Da janela do tempo

A me olhar

Fecho a vidraça

Faço pirraça

Vá embora

Menina

 Não há mais vida

O amor matou-me

Em uma tarde primaveril

Febril

Encostado a meu rosto

Partiu.

Jussara Rocha Souza


domingo, 2 de outubro de 2022

Árvore




Estou oca

Como um tronco velho

Que já não possui interior 

Há muito se foi o amor

Não há dor

Não há tristeza

Apenas o vazio

Olho o jardim

Não há você em mim

Não há carinho

Não existe ninho

Apenas este buraco

Onde minha alma se esvai

Então a lágrima cai

Molhando o coração

Cansado de solidão 

Não posso segurar o tempo

Diz-me o vento

Vá, se apresse

Ainda há vida

Para ser vivida


Jussara Rocha Souza

Tarde demais


 


Nos caminhos desta vida

Estradas nem sempre com saídas

Trouxe sorrisos nos olhos

E sonhos no coração

Talvez seja esta pitada de mistério

Em teus versos sinceros

Que me criaram ilusão

Não quero te desvendar

Prefiro te imaginar

Cabelos revoltos

Mãos firmes

Segurando o leme

Barco perdido no mar

Olhos ao longe a vagar

Embalando versos doces

Contando-nos segredos

Nas páginas deste enredo


Jussara Rocha Souza

sábado, 1 de outubro de 2022

Cesto de palha

 O velho cesto de palha

Que hoje abriga a malha

Testemunha ocular

Assim como o luar

Das noites de amor

Dias com sabor

De vida

Sem dor

Ou feridas

Amigo cesto

Das noites insones

Juras solenes

Ele se foi

Ficaram os sonhos

A cama com seu perfume

E este gosto de regresso

Na malha deitada ao cesto


Jussara Rocha Souza