O sangue escorria no chão e misturava-se ao encardido da tábua.
Em um canto do aposento um ser quase de cera olhava para os pulsos cortados e sorria, um riso louco, desvairado quase cômico se não fosse trágico.
Dias antes tinha dado sinais de desequilíbrio, mas como já tinha tido crises anteriores a família imaginou que ia passar.
A mãe tentou conversar, saber o que estava acontecendo, já tinham passado dias sombrios juntas, eram amigas e a mãe acreditava que ela lhe contava tudo. Foi oferecido psicólogo e até mesmo psiquiatra mas ela recusou, vinha melhorando e aqueles tempos difíceis ficaram lá atrás, como uma lembrança ruim do passado.
Com a pandemia e a suspensão das aulas, veio a monotonia da rotina de casa, o fim do namoro e a vida batendo de frente, esfregando no rosto as dificuldades da transição entre a adolescência e a fase adulta.
Parecia ser forte, e muitos achavam ela superior, de uma inteligência exepcional e engajada nas lutas pelas classes mais desfavorecidas, ela sempre tinha a resposta certa e saía em defesa daqueles que ela acreditava não poder se defender.
Mas então a pandemia chegou e o que os dias corridos escondiam em seu coração aflorou, a depressão cresceu e corroeu o seu interior, entristeceu os olhos da moça e fez de seu sangue uma poça.
Será que ninguém percebeu? Há quantos dias estava trancada em seu quarto? Ratos sugavam com avidez o sangue já coagulado.
Ninguém queria acreditar que a líder da turma, a defensora das causas feministas, a menina que iria mudar o mundo perdeu sua própria luta.
Morreu sorrindo desafiando a morte como desafiava a vida.
Pobre menina seus sonhos eram tão grandiosos e não aguentaram uma sociedade podre e injusta e tão pequena para ela.
Você achou horrível este relato? Mas ele acontece todos os dias com pessoas de todas as idades.
O vírus mata mas a angústia de não conseguir mudar o mundo transforma sonhos em dor e pode matar.
É o fio da navalha...
Jussara Rocha Souza
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