terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Sentada na calçada

 



Sentada a beira da calçada, vestido de tirantes e tamanco malandrinho, queria descansar um pouquinho da rotina diária de um trabalho bem pesado. Era verão e os dias eram muito bonitos e quentes como sua alma sonhadora de menina.

A vida não lhe era fácil, dificuldade financeira, pais ditadores, muitas obrigações e nenhum direito.

Queria mudar o mundo só não sabia como, rebelde contra uma sociedade hipócrita e cruel com as pessoas de menor poder aquisitivo. Mas mesmo assim a vida lhe parecia sorrir, a roupa e o calçado eram sempre os mesmos, mas isto não lhe roubavam a beleza de sua alegria de menina moça quase mulher a desabrochar.

Cantarolava uma canção quando alguém sentou-se a seu lado, naquela época não tínhamos este medo de agora, e logo começamos um papo bem animado, a calçada era na rua Caramuru e ele era um alguém que me disse que eu tinha a boca da Sophia Loren, eu em minha inocência dei um sorriso enorme para ele e segui meu caminho.

São histórias que nos ficam na memória, se o elogio foi mentiroso pelo menos fez a alegria de um corpo cansado do trabalho e que raramente sabia o que era um elogio.

Lembro com clareza de meu vestido de tirantes e o tamanco que por anos levou meus pés ao trabalho, lembro dos trilhos do trem, minha irmã Janete e seus tamancos de veludos tão sonhado por ela, minha prima Cristina e nossas travessuras, lembro que fomos felizes em meio a tantas desventuras, continuo rebelde contra esta sociedade hipócrita e cruel com as pessoas de menor poder aquisitivo,  ainda sento na calçada e converso com desconhecidos, hoje com mais prudência, diante de tamanha violência, mas se passares em minha rua, em algum momento me encontrará sentada na calçada, batendo um bom papo com algum passante, gente que ao longo da vida ajuda a construir minha história e que carrego na memória.

Hoje a idade já não condiz, segundo outras pessoas, com adolescentes de sessenta anos batendo papo sentadas nas calçadas, mas quem disse que me preocupo, foram pessoas que encontrei nos meus bate papos nas calçadas da vida que me trouxeram alegrias e sabedoria.

E por falar nisso, semana passada, varrendo a calçada bati um papo com um senhor de Jaguarão, aquelas pessoas que parecem que conhecemos a anos, trocamos muitas ideias, rimos muito, nos despedimos e ele se foi, me esqueci de perguntar seu nome, mas ficou na memória.

E quando quiseres passa aqui, vamos bater um papo...


Jussara Rocha Souza

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