segunda-feira, 1 de maio de 2023

Primeiro de Maio

 Crônica

Comecei a trabalhar com 11 anos de idade, de forma abrupta fui tirada da infância e me tornei uma "adulta" trabalhadora.

Meu pai havia abandonado minha mãe que sem perspectiva de vida enlouqueceu, éramos quatro irmãos, nos vimos sós e com fome 

Foi então que uma senhora vinda de Porto Alegre bateu em nossa porta procurando moças para trabalhar de empregada doméstica em sua casa, sem pensar duas vezes fiz uma trouxa com minhas roupas e prometi a mãe e irmãos mandar dinheiro para eles assim que recebesse meu primeiro salário.

Chegando em Porto Alegre, conheci uma realidade muito cruel, tinha de cuidar de duas crianças, uma de exatamente minha idade(11anos) e outra de poucas meses. Minha função trocar, alimentar e levar a escola, levantar a noite para cuidar a nenê caso chorasse mesmo com a mãe dormindo ao lado do berço. Ainda lavaria louças, roupas, e cuidaria da casa.

A patroa tinha um salão de beleza e me exibia as clientes  como a pequena piolhenta que tinha trazido do interior para trabalhar, me colocava no secador até meu casco queimar para matar os piolhos e não infestar seus familiares.

Todos dias levantava cinco horas da manhã e ia para o tanque, as mãos congelavam e ficavam roxas, limpava a casa, levava a menina na escola, comia o resto dos pratos e quando ficava com fome e ia as panelas era punida sem janta ou almoço, não lembro de nunca tomar café.

Foram dias escuros e de muitas lágrimas escondida embaixo das cobertas a noite, o dinheiro nunca veio, não vi mais minha mãe, então um dia revoltada disse querer voltar pra casa, ver minha mãe, e aconteceu o mais cruel dos atos entre tantos: ela me bateu.

Então a sogra desta pessoa que morava aos fundos me amparou, eu dormia no chão de sua casa e criança tinha medo das lagartixas que a noite povoaram minha cama. Certa noite durante o sono a senhora disse que eu delirava e falava que iria juntar dinheiro para ir para casa.

Comovida a senhora colocou um anúncio na rádio Farroupilha no programa do Sérgio Zambiasi, procurando familiares, uma tia ouviu e procurou minha mãe que foi me buscar. 

O nome desta pessoa era Inalda e tinha um salão de beleza na rua Augusto Severo em Porto Alegre, seu esposo era da perícia, não sei se ainda vivem, as marcas ficaram no meu coração de menina, o medo do escuro, baratas e lagartixas, me atormentaram por anos. Conheci o trabalho da pior maneira e esta não foi a única vez que fui maltratada e humilhada como empregada doméstica, fora os assédios de patrões, crianças mal educadas que me chutavam as pernas e me tiravam a alimentação.

Houve sim patrões excelentes, pessoas honestas e realmente dignas com seus funcionários, mas foram exceções.

Ontem vendo a reportagem do Fantástico sobre o direito adquirido das empregadas doméstica, afirmo que é uma vitória mas não o respeito que nos falta todos dias.

Nunca tive minha carteira assinada, nunca tive férias, décimo terceiro ou qualquer direito, não havia voz.

Durante anos achei que devia calar, baixar a cabeça e trabalhar, pois o trabalho dignifica.

Hoje dedico a mim, vítima de trabalho escravo desde 11 anos de idade, este dia do trabalhador.

Dona Inalda eu cresci, trabalhei muito e hoje escrevo para que outros tenham voz através de mim e que pessoas como a senhora sejam punidas e que cada dia mais deixem de existir!


Fique claro não é um texto de auto piedade é conscientização de trabalho escravo, falta de respeito ao cidadão trabalhador!


Jussara Rocha Souza



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