sábado, 21 de maio de 2022

Histórias contadas por mim




Morei em um beco na Bento Gonçalves onde as casas eram as antigas cocheiras da prefeitura. 

Local hoje do Sindifértil, foi neste lugar que encontrei as melhores pessoas que pude conhecer. Cheguei lá sem nada, eu, minha irmã e três filhos, vítima de violência doméstica, sem emprego, só a roupa do corpo e medo, muito medo de tudo e de todos.

Até hoje recordo meu primeiro natal neste lugar, dia 24 de Dezembro lá pelas seis horas da tarde bateram no portão, era Marta da primeira casa do beco, trouxe uma caixinha de leite, uma caixa de gelatina e um abraço que nunca esqueci. Depois foi a Neli, dona Solange e Maria, e assim todo um corredor de pessoas muito humildes fizeram o mais lindo natal que já vivi.

Neste lugar dividimos alegrias que eram compartilhadas com entusiasmo, dores que eram curadas por vários abraços, ali tínhamos médicos, curandeiros, líderes espirituais, o senhor das ervas de chás, a senhora do sagu, a senhora dos amores, as meninas namoradeiras, feiticeiras, pessoas em busca de alívio do sofrimento alheio e de si próprio. 

Ali conhecemos o maior do amor, das paixões, ali a solidariedade matou a fome de muitas crianças e deu ânimo a olhos cansados. 

Ali eu conheci seres humanos e aprendi a ser um, em uma casa onde das frestas se via a lua, eu conheci a fé, conheci a Deus e seus anjos em forma de gente.

Eu nunca tinha recebido tanto calor humano e solidariedade, hoje fazem 26 anos deste acontecimento, a vida mudou para melhor e sou muito grata a Deus por isto, mas sinto saudades daquela cumplicidade, das festas, das brigas e da amizade que fez do beco uma família só. 

Muitos moradores do beco já faleceram, outros ainda mantemos contato, mas guardo cada um em meu coração, em especial dona Solange, meu amigo Gilberto.

Sinto falta de amor verdadeiro que hoje não se encontra mais, nos lugares mais simples foi onde fui mais feliz, é onde eu gosto de estar.


Jussara Rocha Souza

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