domingo, 1 de novembro de 2020

E agora Maria?


alt

Maria cresceu ali, no Bairro da Lata, lugar onde tudo era precário, saúde, saneamento, água potável, sem falar no índice elevado de pobreza e desemprego.

A superlotação fazia com que as residências fossem inseguras, juntava-se a estes fatos o crime, tráfico de drogas e o alcoolismo entre tantas outras dificuldades.

Maria cumpriu o mesmo destino da mãe, com quinze anos já carrega um filho nos braços, largou os estudos e foi morar com Pedro, a mãe pouco se importou uma boca a menos a mesa.

A vida seguia seu curso, Maria trabalhava de empregada doméstica e Pedro em uma padaria à noite, neste tempo já eram três os meninos. As dificuldades não os assustava e sim ter de criarem os filhos em meio a tanta violência, isto os deixava apreensivos.

Pedro fazia todos os dias o caminho de casa às cinco horas da manhã, hora em que Maria já estava saindo para pegar sua primeira condução, chegando perto de casa Pedro é atingido mortalmente com uma bala perdida em confronto de policiais com o tráfico.

A vida já precária fica agora duplamente complicada, ter que trabalhar, conviver com a dor da perda e ter de deixar os filhos entregues a própria sorte enquanto trabalha, está lhe tirando as noites de sono.

Olha-se no espelho e não mais vê aquela menina de dez anos atrás, o peso da vida lhe dava o dobro de idade e, no entanto só tinha vinte e cinco anos.

Diz que o tempo tudo cura e Maria foi à luta, levanta-se quatro horas da manhã, prepara almoço, escreve as ordens do dia, beija um a um e sai para o trabalho.

Espanta a preocupação e a tristeza cantando, foi assim desde pequena, sua paixão era o forró e o som animado das músicas era sua alegria durante o árduo trabalho e as conduções sempre lotadas.

Passado o tempo com as crianças já maiores e a vida em sua rotina habitual, Maria começa devagarzinho a sair e o forró passa a ser sua única diversão. Todos os sábados ela dá janta aos meninos e os põem na cama e quando adormecem fecha a porta a chave e sai.

No começo ficava apreensiva com os meninos, mas como sempre dava tudo certo começou a descansar-se e a cada dia ficava até mais tarde no forró, afinal pensava:_ Também sou filha de Deus, nem só de trabalho vive o homem!

Dentro do forró Maria transforma-se, seu rosto remoçava e dançava a noite toda sem parar, o barulho ensurdecedor da música abafava qualquer som que viesse de fora.

O temporal desaba sem piedade, a chuva torrencial e o vento vêm derrubando tudo que encontra pela frente, as paredes do barraco balançam, as crianças gritam e choram em desespero.

Maria chega à favela com suas sandálias na mão e um sorriso no rosto, mas depara-se com policia, bombeiros e ambulâncias por todo o lado, corre em direção ao barraco e só vê terra.

Um grito lhe solta da garganta, coloca as mãos na cabeça e petrificada com a cena chora em total desvario. E agora Maria?

Vozes gritam em sua direção: -Mamãe, mamãe estamos aqui!

Maria deu graças a Deus e jurou que a partir daquele dia jamais iria deixar os filhos sozinhos novamente.

Nota do autor: Diariamente crianças morrem ou sofrem acidentes gravíssimos que os deixam marcas para toda a vida por estarem sozinhos em casa sem acompanhamento de adultos.


2 comentários:

  1. Continuo achando esse conto o melhor. Já o li quatro vezes! Olá, Jussara! Com sua permissão vim te aperrear aqui, no seu cantinho.
    Ass.: Akuma, sim, eu mesmo!

    ResponderExcluir
  2. ACHEI O MAXIMO ESTE CONTO POIS MUITAS MÃES NÃO DÃO SE DE CONTA QUE DEPOIS DE TER FILHOS A VIDA TEM DE SER MAIS ABNEGADA EM PROL DOS FILHOS QUE SÃO UMA HERANÇA DE DEUS E COMO TAL PRECISAM SER BEM CUIDADOS JOICE ROCHA

    ResponderExcluir