domingo, 14 de julho de 2019

Dormindo com o inimigo

Mini conto:

Era assim todos os dias, as lágrimas corriam a face, mas depois pensava: Deve ser assim mesmo e continuava seu dia.
Foi preparada desde cedo para o casamento, se perdesse a virgindade antes de casar ninguém mais iria querer você, segundo seus pais.
Ultimamente vem tendo uns pensamentos diferentes, mas cruz credo duvidar do que o religioso falou, só de pensar me dá medo.
Dobrava os joelhos e começava a orar, mas no meio da oração a cena lhe vinha à mente e começava a chorar, tenho que esquecer, tudo sempre ocorreu assim e assim deve ser.
Foi lendo uma reportagem que viu que suas ideias não eram absurdas, tinha uma razão de ser, tinha casado virgem, depois veio os filhos, tudo muito doído, nunca entendido, sua mãe dizia que não tinha que entender tinha que dar graças a Deus a vida que tinha.
E a vida foi passando, os cabelos grisalhos já aparecendo e a revolta só crescia no coração, o marido na idade do lobo, já não lhe prestava atenção, vivia espichando o olho nas meninas mais novas da redondeza.
Mas o religioso disse que homem é assim mesmo, ele trabalha, lhe dá tudo, fique cega, muda, lhe dizia a mãe.
Foi em uma sexta feira, foram à igreja, ela já sabia o que lhe esperava, então se preparou, seria hoje. Um grito cortou o silêncio da noite, ela contemplava o marido ensanguentado com um riso estranho nos lábios.
Levada sobre os olhos incrédulos de seus pais parecia não ver ninguém, na delegacia perguntaram o porquê de ter matado seu marido, ela disse: Uma vida inteira fui estuprada, achando que aquilo era normal, me queixei na minha igreja, o religioso disse que a mulher tem obrigação de servir sexualmente seu esposo, me queixei a minha mãe e ela me mandou ficar cega muda e surda.
Duvidei cada dia da minha vida que aquilo era o certo, mas minha religião não me permitia duvidar, não culpo minha mãe hoje sei que ela deve passar o mesmo que eu, Eu deitava e ele me possuía de todas as maneiras, eu as vezes dizia estar doente, mas ele não ouvia, eu fingia dormir e nada adiantava, não havia carinhos, beijos, no começo pensei ser normal, mas depois vi que ele não me respeitava, não respeitava meu corpo.
Sei que hoje vão dizer que estou endemoniada, mas o demônio eram eles, que me subjugaram em nome de um deus que hoje sei não era meu.
Falam tanto em estupro, acautele-se, o inimigo pode ser aquele que dorme contigo, o seu próprio marido.

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